sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Os palpites do Bispo de Hipona

"Há uma maneira diferente de ser feliz, quando cada um possui a felicidade em concreto. Há quem seja feliz simplesmente em esperança. Estes possuem a felicidade dum modo inferior ao daqueles que já são realmente felizes. Mas, ainda assim, estão muito melhor que aqueles que não têm nem a felicidade, nem a sua esperança. Mesmo estes devem experimentá-la de qualquer modo, porque, no caso contrário, não desejariam ser felizes. Ora, é absolutamente certo que eles o querem ser.


Não sei como conheceram a felicidade, nem por que noção a apreenderam. O que me preocupa é saber se essa noção habita na memória. Se lá existe, é sinal de que alguma vez já fomos felizes. Eu agora não procuro indagar se fomos todos felizes individualmente, ou se fomos somente naquele homem que primeiro pecou, em que todos morremos, e nascemos na infelicidade. O que eu quero saber é se a vida feliz reside ou não na memória. Se a não conhecêssemos, não a podíamos amar.


Mal ouvimos este nome, "felicidade", imediatamente temos de confessar que é isso mesmo o que apetecemos; não nos deleitamos simplesmente com o som da palavra. Quando um grego ouve pronunciar esse vocábulo em latim, não se deleita, porque ignora o sentido. Mas nós deleitamo-nos; e ele também se deleita, se ouve em grego, porque a felicidade real não é grega nem latina, mas os gregos, os latinos e os homens de todas as línguas têm um desejo ardente de a alcançar. E assim, se fosse possível perguntar-lhes a uma só voz se "queriam ser felizes", todos, sem hesitação, responderiam que sim.


O que não aconteceria, se a memória não conservasse a própria realidade, significada nessa palavra.

(...)


31. Onde e quando experimentei a vida feliz, para a poder recordar, amar e desejar? Não sou eu o único, nem são poucos os que a desejam. Todos, absolutamente todos, querem ser felizes. Se não conhecêssemos a vida feliz por uma noção certa, não a desejaríamos com tão firme vontade. Que significa isto?

Se perguntarmos a dois homens se querem alistar-se no exército, é possível que um responda que sim, outro que não. Porém, se lhes perguntarmos se querem ser felizes, ambos dizem logo, sem hesitação, que sim, que o desejam, porque tanto o que quer ser militar como o que não quer têm um só fim em vista: o serem felizes. Opta um por um emprego, e outro por outro. Mas ambos são unânimes em quererem ser felizes, como o seriam também se lhes perguntassem se queriam ter alegria. De fato, já chamam felicidade à alegria. Ainda que um siga por um caminho e outro por outro, esforçam-se por chegar a um só fim, que é alegrarem-se. Como ninguém pode dizer que não experimentou a alegria, encontramo-la na memória e reconhecemo-la sempre que dela ouvimos falar.


(...)


33. Poderemos então concluir que nem todos querem ser felizes porque há alguns que não querem alegrar-se em Vós, que sois a única vida feliz? Não; todos querem uma vida feliz. Mas como "a carne combate contra o espírito e o espírito contra a carne, muitos não fazem o que querem, mas entregam-se àquilo que podem fazer. Com isso se contentam, porque aquilo que não podem realizar, não o querem com a vontade quanta é necessária para o poderem fazer."





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